Fosse Jesus Cristo o técnico da Seleção Brasileira, não faltariam nem mesmo beatas a palpitar na escalação do time. Fosse Roberto Marinho e até parte da alta cúpula global protestaria em favor de jogadores que não foram chamados. Vovó, por toda a vida uma apaziguadora nata em qualquer discussão, estivesse conosco, reclamaria da ausência do Fenômeno (mesmo fora de forma). O Ronaldinho é formidável, dizia vovó, puxando o erre como faz Galvão em seus gritos de gol. A sina que Dunga leva consigo, portanto, não é dele próprio – mas intrínseca ao posto que ocupa. Ele sabe disso, nós todos sabemos.
Muito se falou, sobretudo depois de anunciada a convocação para a Copa do Mundo, sobre dois aspectos característicos ao atual treinador canarinho: burrice e coerência – e aí reside seu primeiro mérito. Todo técnico da Seleção é burro quando a avaliação está sob os cuidados de quase 190 milhões de brasileiros (e não nos esqueçamos: em época de Copa, todos, absolutamente todos os cidadãos têm – ou acham que têm – propriedade de rei para dizer e desdizer verdades a respeito do escrete verde-amarelo). Pouquíssimos, entretanto, são coerentes.
Há pelo menos outros cinco motivos para confiarmos em Dunga:
1) Capitão da equipe em 94, foi ele o primeiro a erguer o troféu do tetra. Conhece bem, portanto, o peso da taça.
2) Conquistou os dois torneios que disputou como treinador pela seleção principal, classificou o time em primeiro lugar nas Eliminatórias e seu aproveitamento total é de 76,7% em 53 jogos.
3) Manteve o Brasil na liderança do ranking da FIFA.
4) A base de seu time está entrosada há muito tempo e preza pela coletividade. Não dependeremos, portanto, da estrela de um só jogador – que pode, num dia ruim, desperdiçar o sonho de uma nação.
5) Ainda que lhe falte experiência prévia como técnico de futebol, sobra-lhe entendimento sobre o valor da camisa amarela.
Quando chegou à Seleção, após o fracasso em 2006, a missão de Dunga era reformular o espírito do time. Foi o que ele fez. Aposentou os eternos laterais, afastou os maiores craques em seus maus momentos. Impediu até mesmo regalias à imprensa que prejudicassem a concentração de seu grupo. Usou da razão para reafirmar sua coerência, sempre ela, e da emoção para explicitar a necessidade do amor à camisa. Foi acusado de insensatez, pois futebol é momento e não coerência, depois de piegas, démodé. É mais fácil agradar a gregos e troianos a agradar os brasileiros. Dunga sabe disso, nós também.
É retranqueiro, dizem. Pois comemoremos! Júlio César, Maicon e Lúcio são campeões do torneio de clubes mais forte do mundo. Faltou o Ganso, faltou o Neymar. O Gaúcho merecia uma nova chance. Pois que sempre sintamos a ausência de craques vestindo a amarelinha, sinal de que o que não nos falta é jogador de alto nível. Os irlandeses, por exemplo, jamais tiveram de se mobilizar pela convocação de um craque; estão satisfeitos, ao contrário, se conseguirem completar duas mãos e um dedo de jogadores que possam vestir a camisa verde e laranja.
Em analogia rasa, Dunga no comando da Seleção é compatível a Lula no comando do País: a reação ao trabalho de ambos se baseia em preconceitos, bairrismos e questões pessoais que transcendem seus trabalhos em si. O peso de um eventual fracasso seria bem maior que a celebração de um eventual triunfo. Mas Dunga sabe disso, Lula sabe disso e nós também sabemos.
A taça da Copa do Mundo, além do mais, nos pede que, entre um burro coerente e um Mestre na arte do futebol bonito, fiquemos, pois, com o primeiro. É isso que a História já nos mostrou.
sábado, 29 de maio de 2010
quinta-feira, 13 de maio de 2010
Enquanto isso na França...
Sabe aquele papo de que confiança em excesso pode colocar tudo a perder? Ou os franceses levam o ditado muito ao pé da letra ou realmente estão se lixando para o Mundial. Fiquei chocada com o pouco caso dispensado a convocação dos jogadores que vão defender os Bleus na Copa do Mundo. Como o Brasil anunciou a sua lista no mesmo dia, pude comparar as diferentes maneiras de mídia e povo lidarem com essa instituição sagrada que é o futebol.
Do lado de cá do oceano, com minhas 5 horas de fuso horário, acompanhei o clima tenso em torno da lista mais esperada dos últimos quatro anos. Na hora marcada, programação interrompida, apresentadores uniformizados e comentaristas a postos. Um verdadeiro circo. Eu roía as unhas, como se esperasse ver o meu nome entre os dos 23 guerreiros que vão defender o Brasil daqui a 30 dias. Francês nenhum entenderia.
Meu marido chegou do trabalho apressado, jogou sua pasta no chão e foi logo ligando o computador para saber quem eram os escolhidos ("Adriano, Adriano?" Perguntava o flamenguista apaixonado). Depois de constatar que seu imperador não vai entrar em campo, relaxou e disse: - Às oito horas sai a lista da França, vamos ver quem o mané do Domenech vai chamar.
Parece que o tal treinador é um dos caras mais odiados por aqui. Lhe falta carisma, mas por sorte ele acaba conseguindo bons resultados, dai vai ficando no cargo. Qualquer semelhança não é mera coincidência. Dunga segue pelo mesmo caminho, mas sei la porque diabos, confio nele.
Oito horas e eu esperando o circo francês, que não chegou. O jornal entrou no ar e depois de uma dúzia de matérias sem graça, o treinador apareceu sentado na bancada do "20 heures" (O 'Jornal Nacional' daqui) e durante sua participação, que não durou mais que 5 minutos, anunciou seus convocados. A aparição mais sem graça que ja foi ao ar, arrisco dizer.
Não teve coletiva, nem 500 jornalistas, nem telão como no Rio. O francês que levantou no final do jornal para ir ao banheiro, provavelmente não sabe até agora quem vai defender seu país na Copa do Mundo. Talvez não saiba nem que vai ter Copa do Mundo. As coisas aqui são estranhas, ainda não encontrei um filho de Deus desfilando as cores da seleção francesa pelas ruas. Não tem faixas espalhadas pela cidade, não se fala sobre o assunto. A não ser nas campanhas publicitárias.
É verdade que minha área é outra e que entendo muito pouco de marketing, mas devo dizer que achei muito esquisita a criatividade francesa usada para aumentar as vendas em época de Mundial. Duas grandes redes de eletrônicos destacam em letras garrafais o anuncio mais ou menos assim: "Compre sua televisão aqui! Se a França ganhar, devolvemos o seu dinheiro."
Ahn????? Isso é que é suporte hein? Se eu fosse jogador, me sentiria obrigado a vencer só para dar prejuízo a essas empresas (ok, não só, mas também). Porém, como ninguém aqui em casa é boleiro, nos resta tirar de vez a França das nossas bolsas de apostas. Não que antes ela fosse uma das favoritas (afinal, se classificou na bacia das almas com gol de mão), mas se nem os próprios acreditam que é possivel, quem sou eu para discordar?!
*Mirelle Siqueira é mais uma expatriada que cruzou o oceano em direção ao velho continente, mora na França. Vai acompanhar os perrengues da Seleção Canarinho em solo inimigo. Outras crônicas sobre futebol, vida e franceses no blog 13 anos depois...
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